Publicada em 24/04/2014 9:33
Há muitos anos, o tema governança da internet mobiliza a comunidade internacional. Mas não com tanta vontade como agora. Como bem disse o ministro Paulo Bernardo, na abertura da conferência NETMundial, na manhã da quarta-feira, 23 de abril, os países, de fato, parecem ter chegado à conclusão de que ou se reuniriam em uma mesma mesa para debater a governança da rede, ou não haveria futuro para a Internet, pós as revelações de espionagem feitas por Edward Snowden.
Comparado a fóruns anteriores, há um clamor generalizado, de todos os setores _ governos, sociedade civil, iniciativa privada, academia e técnicos _ de que esse encontro inicie uma nova dinâmica nessa discussão, apontando de fato caminhos viáveis para a implantação de um modelo multisetorial e multilateral, na justa medida.
Pelo ouvido até aqui, o documento que, propositalmente, não será votado, nem consensuado, mas aclamado pela maioria, deve ir na linha da posição defendida pela presidente Dilma Rousseff, de fortalecimento do Fórum de Governança da Internet (IGF), revisão da cimeira da Sociedade da Informação, realizada há mais uma década, e transição das funções IANA para uma entidade verdadeiramente multisetorial.
Espera-se que as discussões subsequentes à este encontro no Brasil decidam como operacionalizar esses desejos. O que requer o fim de “uma série de monólogos” e o estabelecimento de “diálogos” verdadeiramente produtivos, em prol de interesses comuns, como tão bem sublinhou a comissária europeia para a agenda digital, Neelie Kroes, para quem a mudança de postura deve começar já. “Estamos aqui para fazer mudanças, e atender o chamado que a presidenta Dilma Rousseff fez na ONU, ou vamos perder tempo?”_ provocou Kroes.
“A ideia é que se consiga convergir para um documento final levemente aceitável, pontuando consensos e talvez até alguns dissensos, devidamente anotados para que possam conduzir futuras ações, explica Helmut Glaser, secretário executivo do Comitê Gestor da Internet.
Glaser vê a NETMundial como o início de um movimento efetivo para desenhar a desejada governança internacional da internet. “O Brasil assumiu uma liderança inicial, mas não deseja continuar conduzindo esse processo. Tiramos a bola dos americanos, que se precipitaram anunciando a disposição de abrir mão da administração da IANA e colocamos a bola em jogo, para que todos joguem junto”, diz ele.
Há, entre os participantes da conferência, quem diga que a presença dos Estados Unidos é uma vitória do Brasil. Convidados pelo governo brasileiros, os americanos enviaram representantes para o debate, mesmo após o estremecimento das relações bilaterais entre os dois países, diante das revelações de que o governo brasileiro e empresas nacionais haviam sido alvo das ações de espionagem da National Security Agency (NSA). Mas há também os que acreditam que a presença americana é um movimento de defesa. Afinal, para que a bola entre em jogo, as regras do jogo precisam ser definidas. E é isso exatamente isso que os 1229 participantes, de 97 países, começam a fazer no Brasil.
As sessões técnicas da conferência estão divididas por tópicos do documento de referência, cada um representando pontos a serem considerados para a definição de princípios da governança da Internet e de um roteiro para o desenvolvimento desse ecossistema. Essas sessões consideram ainda os 1.370 comentários feitos pelo público sobre o documento de referência, publicado no site oficial do NETmundial, além de comentários enviados por espectadores que acompanham o evento em tempo real através dos mais de 30 hubs remotos espalhados pelo mundo.
Na primeira sessão plenária, por exemplo, representantes de diversos países, incluindo a Argentina e a Rússia, reclamaram não terem visto refletidas no documento base as proposições encaminhadas previamente. Os organizadores garantem que os documentos sintetizam as sugestões majoritárias entre as 188 contribuições de conteúdo recebidas. E muitos representantes da sociedade civil, encaminharam sugestões para incluir no texto do documento final princípios de neutralidade de rede, na opinião deles fundamentais para estejam asseguradas as condições técnicas indispensáveis ao livre fluxo de informações defendido nos capítulos que tratam de direitos humanos e liberdade de expressão.
Próximos passos
Se sacramentado no documento final o desejo de caminhar para um modelo de governança internet multisetorial, onde a participação do setor governamental seja multilateral, como operacionalizar isso? Os Estados Unidos já disseram que não aceitam entregar o controle da IANA para entidade miltilateral. Apenas para uma entidade multisetorial. Será possível dividir a governança internet em duas: uma multilaterial, que trate de temas como enderaçamento e nomes de domínio, e outra, multilateral, que trata de questões que preocupam particularmente os governos, como cibersegurança?
De acordo com Glaser, há muitas propostas sendo analisadas. No caso da governança, uma das propostas é reforçar o Internet Governance Forum (IGF), nascido no âmbito das Nações Unidas, em duas direções: aumentar a participação das comunidades acadêmica e técnica, hoje ainda minoria expressiva; e transformá-lo em um órgão recomendador. “Hoje o IGF não recomenda nada. Discute, discute, discute e não leva a lugar algum. Nós queremos um IGF que possa fazer recomendações à ONU, passando pela assembleia. Seria um ITU multisetorial, uma vez que o ITU é multilateral”, explica Glaser. Assuntos que devem ser tratados mais profundamente nas próximas reuniões do IGF, este ano, na Turquia, e em 2015, no Brasil. “A ideia é que, após o fechamento desse segundo ciclo de debates do IGF, tenhamos um terceiro ciclo, muito mais ativo, com recomendações”.
Outra proposta é reforçar a presença de governos na ICANN, com representatividade multilateral. O que poderia ser feito através da eleição d um representante em forma de rodízio, de representantes de dois países obrigatoriamente de dois hemisférios, ou obrigatoriamente de dois países de cada continente, com o mesmo poder de voto… Existe ainda a proposta de criação de um Conselho Superior de Internet. “O que estamos fazendo aqui é tentar encaminhar algumas soluções possíveis, para serem discutidas futuramente”, explica Glaser.