terça-feira, 2 de junho de 2015

Um Preço Muito Alto - Neurocientista relata seus estudos e sua relação com as drogas

 

Por Leandro de Matos -

Intercalando passagens biográficas e dados científicos sobre suas pesquisas e estudos, o primeiro cientista afro-americano da Universidade de Columbia, Dr. Carl Hart, entrega por meio de relatos transparentes e sinceros, sua perspectiva sobre diversos pontos relacionados aos mais diversos tipos de entorpecentes no livro Um Preço Muito Alto, publicado pela Editora Zahar recentemente.

UmPrecoMuitoAlto

Há mais de 20 anos estudando o comportamento humano e as funcionalidades do cérebro sob o efeito de narcóticos, Dr. Hart nem sempre dispôs de oportunidade e chances para exercitar sua curiosidade incessante. De origem pobre, ele nasceu e viveu nos guetos de Miami e desde cedo, convivia com sérios problemas familiares e observava atento, quais eram as reais causas que levavam aquele contexto. Pobreza, marginalização, desemprego crônico e a falta de oportunidades, são só alguns exemplos de uma gama de fatores que acometiam a família Hart e toda as comunidades afrodescendentes da época. As drogas eram apenas um desses elementos, uma consequência, ‘uma saída’ quase que inevitável diante de dificuldades tão presentes. Mesmo se mantendo firme em suas aspirações e objetivos, Hart foi mais um na fatídica estatística de jovens negros envolvidos com drogas, tráfico e pequenos delitos, mas soube usar o esporte, a literatura, a música e até o exército como alicerces para a difícil transição da adolescência para a fase adulta.

Seus primeiros estudos científicos eram aplicados em ratos e pelo resultado obtido nesses experimentos, o cientista estendeu a execução desses estudos para humanos. Basicamente, Hart monitorava o comportamento dos roedores ao serem condicionados ao uso de cocaína e da nicotina e o quanto dessas práticas seriam definitivas para considerá-los dependentes dessas substâncias. Foi observado que esse roedores abandonavam o autocondicionamento com as drogas, mediante tivessem acesso a outras opções de recompensa. Interessante o apontamento do cientista, em elencar alguns pontos semelhantes desses experimentos com o comportamento humano submetidos a condicionamentos semelhantes. Na década de 50, a ciência acreditava que o vício estava ligado a dopamina, um neurotransmissor produzido e liberado no cérebro, que dentre diversas outras funções, também é responsável pela sensação de prazer e satisfação tão associada aos efeitos obtidos com uso de entorpecentes.

No decurso da leitura fica claro um questionamento central:

O que diferencia o usuário do viciado em drogas?

Dr. Carl apresenta argumentos e dados para responder essa e outras perguntas durante o livro. Durante suas pesquisas ele chegou a algumas conclusões surpreendentes, tais como de que 80% a 90% daqueles que fazem o uso de qualquer tipo de droga, não são considerados viciados. Ele alega que para o indivíduo ser considerado viciado, precisa estar inserido em outros contextos (sociais e até emotivos) e que por consequência, venham a atrapalhar suas funções psicossociais. Dentre outras de suas afirmativas está de que a maconha não é uma porta de entrada para ‘as drogas mais pesadas’, apontando que muitos fazem uso de forma recreativa ou até mesmo terapêutica. Sem fazer apologias, Hart levanta a proposta de que são necessárias novas concepções das políticas públicas para o tema. Afirma que a internação compulsória (à força) é antiética e desnecessária naquilo que se propõe e que do ponto de vista educacional, é necessária uma abordagem sobre o uso das drogas de modo geral. Tomando por base o resultado de algumas ações praticadas em Portugal, o cientista é perspicaz em afirmar que uma das atitudes necessárias para a desbanalização das drogas seria por meio da descriminalização, ou seja, não tratar como crime condições comuns aos usuários de drogas, tais como o porte e o uso em si. No país citado, essas práticas são tratadas em semelhante modo como multas de transito, onde não há a tipificação de crime, apenas de uma infração.

Visando quebrar paradigmas e estabelecer novas interpretações sobre o assunto, Um preço muito alto, propõe traçar um novo panorama sobre o uso, o vício e o que entendemos sobre as drogas. Um livro interessante e audacioso, que apresenta argumentações plausíveis para um melhor entendimento e consequências destas. Seja levantando questionamentos ou elucidando outros mais, é necessário reconhecer a importância desse livro como um precursor de um campanha que a passos lentos, visa não proclamar a liberdade do consumo das drogas, mas sim entender quais os fatores intrínsecos e sociais que levam ao vício.

Assista o book trailer:

Ficha Técnica

Título: Um Preço Muito Alto
Autor: Carl Hart
Editora: Zahar
Ano: 2014
Páginas: 328
Gênero: Ciências

Para consumir mais da leitura:

  • Carl Hart é um dos participantes do documentário de 2012, The House I Live In, que trata sobre o dilema dos direitos humanos na política contra as drogas nos EUA.
  • Assista um trecho da entrevista concedida ao médico oncologista e escritor brasileiro, Dr. Drauzio Varella.

 

 

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